O
conceito de adolescência pode abranger aspectos antropológicos, sociológicos,
jurídicos, psicológicos e muitos outros.
Do
ponto de vista jurídico, muito mais do que as próprias garantias
constitucionais que abrangem as crianças e adolescente do nosso país, há uma
proteção internacional sobre os mesmos, inclusive com a ratificação, pelo
Brasil, com o Decreto 99.710/1990, da Convenção Internacional sobre os Direitos
da Criança, Organização das Nações Unidas de 1989.
Referida
Convenção sobre os Direitos da Criança, composta por 54 artigos, divididos em
três partes e precedida de um preâmbulo, define o conceito de criança,
considerando-a como a pessoa de até 12 anos de idade incompletos, e adolescente
aquela entre 12 e 18 anos de idade, e estabelece paradigmas de orientação e
atuação política de seus Estados-partes para o alcance do desiderato dos princípios
que são estabelecidos nela, objetivando ainda, o desenvolvimento individual e
social benéfico da infância.
Segundo
Victor Hugo Albernaz Junior e Paulo Roberto Vaz Ferreira (1998), da
Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, no grupo de Trabalho de Direitos
Humanos, em seu artigo “Direitos Humanos: construção da liberdade e da
igualdade”, esclarecem também a finalidade do Comitê para os Direitos da
Criança, que é o de supervisionar o cumprimento das disposições traçadas na
Convenção, pelo que apresentam, através do Secretário Geral das Nações Unidas,
relatórios que tenham adotado na viabilização e efetivação dos direitos
reconhecidos na Convenção, sem prejuízo dos resultados e dos progressos
alcançados.
Mister
ainda ressaltar que os adolescentes, assim como as crianças, não são objetos
passivos, mas sujeitos de direitos, e titulares, sem sombra de dúvidas, de
direitos fundamentais elencados no artigo 227 da Constituição da República
Federativa do Brasil.
Além
dos direitos apontados no artigo 227 da Constituição Federal, considerados por
Sarlet como “Declaração de Direitos Fundamentais da população infanto-juvenil”[1],
existem outros direitos igualmente fundamentais como a proibição de trabalho
noturno, perigoso e insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a
menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos, nos
termos do artigo 7º, inciso XXXIII, com redação dada pela Emenda Constitucional
nº 20, de 15/12/1998; a equiparação de filhos e a vedação de designações
discriminatórias relativas à filiação, consoante o artigo 226, § 6º da
Constituição Federal etc.
A
definição de Pessoa é dada pela Lei[2],
e encontramos no Código Civil, que toda a pessoa é capaz de direitos e deveres
na ordem civil, e que a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento
com vida; sendo colocado a salvo pela lei, desde a concepção, os direitos no
nascituro.
Convém
ressaltar que quando o Código Civil enuncia, no seu artigo 1º, a capacidade da
pessoa, isso não dá a entender que possua concomitantemente o gozo e o
exercício desses direitos, pois nas disposições subsequentes faz referência
àqueles que tendo o gozo dos direitos civis não podem exercê-los, por si, ante
o fato de, em razão de menoridade ou de insuficiência somática, não terem
capacidade de fato ou exercício, isto é, de exercerem os atos da vida civil por
si mesmos, dependendo de assistentes (nos casos de maiores de 16 e menores de
18 anos) ou representantes (nos casos de menores de 16 anos) para tanto.
Desta
forma, há responsabilidade da família, da sociedade e do Estado, sobre o
sujeito criança e adolescente, colocando-os a salvo de todo o mal que possam
sofrer.
Existe
também, no direito brasileiro, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que possui
um conceito, um conjunto de regras e mecanismos, mas que não bastam para
garantir que os direitos das crianças e dos adolescentes estejam assegurados,
pois dos sujeitos que têm obrigações apontadas no “caput” do artigo 4º do
Estatuto da Criança e do Adolescente[3],
somente a família tem efetivamente participado.
Dessa
maneira, como bem afirma a advogada Marília Campos Oliveira Telles e o
desembargador Antônio Carlos Mathias Coltro:
“...enquanto as medidas socioeducativas forem
observadas como mera ficção legal e não houver atendimento médico e psicológico
a adolescentes tão precocemente comprometidos com a crueldade e a indiferença
ao próximo, dentre outras circunstâncias, o Estatuto não terá atingido sua
eficácia plena.” (Revista do Advogado, Ano XXVIII, nº 101,
dezembro de 2008, p. 72.)
O
Estatuto da Criança e do Adolescente adota a Doutrina da Proteção Integral,
portanto, o diploma legal consolida e reconhece a existência de um novo sujeito
político e social.
Herculano
R. Campos e Carmem P. Cavalcante afirmam no capítulo intitulado “O adolescente
e o estatuto jurídico: transgressão e lei no Brasil”, publicado no livro
Justiça Juvenil, citando Adorno, 1993 e Volpi, 2001, que:
“...como portador de
direitos e garantias, não pode mais ser tratado por programas isolados e
políticas assistencialistas, mas deve ter para si a atenção prioritária de
todos, constituindo-se num cidadão, independentemente de sua raça, situação
social ou econômica, religião ou qualquer diferença cultural.”[4]
Neste
sentido, preocupante é o que se vê em revistas, especialmente na Carta Capital[5],
sobre a discussão da redução da maioridade penal, tema que não interessa
discutir neste texto, a não ser sobre os argumentos utilizados para sustentar os
antagônicos posicionamentos, sendo um deles o apontamento sobre a ausência de
políticas do Estado ou de políticas públicas sérias, o que denota o total
abandono do Estado acerca da questão.
Por
outro lado, quando há algum movimento do Estado ao encontro dos jovens, parece
ser inócuo, pois são realizadas políticas públicas viciadas num preconceito de
que todo o adolescente está numa fase de ameaça integral, seja no crime, na
prostituição, nas drogas etc. Neste sentido, José Lyra e outros estudiosos da
UFPE afirmam que:
“Grande parte das políticas
públicas direcionadas aos jovens parece estar apoiada nessa retórica que
ressalta a ameaça representada pela juventude, com constante reforçamento da
ideia do jovem exposto a uma série de riscos próprios a sua fase, os quais
podem ser internos (crise identitária) ou externos (violência)” (Cad. Cedes,
Campinas, v. 22, n. 57, agosto/2002, p. 11. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br)
Aliás,
nem tudo que se pretende pelo Estado é exatamente positivo e de representação
cristalina, muitas vezes se rotula determinado comportamento ou condição de
maneira a limitar o próprio desenvolvimento do ser humano e, muito mais fácil
se fazer isso quando se trata da complexa figura do adolescente.
E
a adolescência, do ponto de vista da psicologia, considerando Erikson (1976),
se apresenta como “um período de passagem entre a infância e a idade adulta,
período marcado por instabilidade, crise e turbulência.” Desta maneira, ele
mesmo trabalhará as questões biológicas e sociais que não se confundem com a
puberdade.
Não
é diferente a compreensão descrita na enciclopédia Barsa (1993), que define a
adolescência como a “expressão de um período de desequilíbrio e, via de regra,
de conflitos de toda espécie, sobretudo afetivo-emocionais.”
Nesse
interregno é possível afirmar, considerando Pedro Miguel Lopes de Sousa (2006),
enfermeiro e mestrando em Psicologia Pedagógica, na Faculdade de Psicologia e
Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, em seu artigo intitulado
“Desenvolvimento Moral na Adolescência”, que a adolescência caracteriza-se por
ser um período de construção de valores sociais e de interesse por problemas
éticos e ideológicos, já que aspira à perfeição moral e expressa um grande
altruísmo o que frequentemente originam revoltas por descobrir que a sociedade
não se coaduna com os valores que defende.
Kohlberg
(1981), citado por Pedro Miguel Lopes de Sousa (2006), apontou seis estágios de
desenvolvimento moral, agrupados em três níveis. Não é possível enquadrar
adolescência num único nível de desenvolvimento moral e, muito menos, num único
estágio. Contudo, o nível pré-convencional parece ser característico da
infância (estágio 1 e 2) e o nível convencional seria próprio dos adolescentes
(estágio 3 e 4). No estágio 3 haveria preocupação em manter a confiança
interpessoal e a aprovação social, manifestando uma orientação moral para “o
bom rapaz ou a boa rapariga” o que revelaria a adoção da “regra de ouro” de
tratar os outros como gostaria de ser tratado. Já que os indivíduos do estágio
4 defenderiam que os interesses individuais só seriam legítimos se fossem
consistentes com a manutenção global do sistema sócio-moral. Haveria orientação
para o respeito pela lei socialmente aceite, sendo critério de justiça e
moralidade (Simões, 2002).
2.
DA PRÁTICA
INFRACIONAL
De
maneira bastante resumida, pode-se identificar duas orientações na sociologia
do desvio: a positivista e a interacionista (Lima, 2001).
Para
os “positivistas”, o desvio existe na experiência objetiva das pessoas que
cometem os atos desviantes e das que respondem a esses atos. Tal tendência visa
principalmente procurar as causas do comportamento desviante, que normalmente são
descritas em termos de dados sociais e/ou culturais e de características individuais
que impedem a socialização do indivíduo.
As
indagações que os “positivistas” colocam sobre os desviantes são: porque eles
fizeram isso? Como podemos fazê-los parar?
As
teorias interacionistas do desvio rompem com as concepções positivistas. O
desvio e seu controle são encarados de maneira dialética, através de um processo
de interação dinâmico e variável entre as duas partes. Várias correntes interacionistas
foram desenvolvidas baseadas em tais fundamentos.
O
interacionismo simbólico começa a ganhar espaço na teoria sociológica a partir
das décadas de 50 e 60. A ação passa a ser interpretada pelos significados que
as pessoas atribuem à própria conduta e a sociedade como o conjunto resultante
da articulação de identidades individuais mutuamente referidas.
O
interacionismo recusa concepções que tentam homogeneizar o desviante e destaca a
perspectiva do confronto entre acusadores e acusados (detentores de leituras divergentes
do sistema sociocultural) como gerador da classificação de um evento ou sujeito
como desviante.
O
comportamento desviante deixa de ser considerado como um problema de
inadaptação cultural e passa a ser visto como uma questão política vinculada à
definição de identidade (Pedrete, 2007).
O
interacionismo simbólico aborda o processo de criminalização do desviante (Becker,
1974) e considera os organismos de repressão como variável fundamental no
processo de rotulação (Lemert, 1954).
A
teoria da “rotulação social” (Labelling Theory), proposta por Becker privilegia
o papel da ação coletiva, cujas regras são impostas por um processo social que
define coletivamente certas formas de comportamento como tipos de problemas.
A
partir destas duas maiores teorias podem existir outras, especialmente as
tratadas por Claude Dubar (2007), Professor Emérito da Universidade de
Versailles-Saint Quentin em Yvelines, com capítulo no livro “Juventude em
Conflito com a Lei”, organizado por João Trajano Sento-Sé e Vanilda Paiva.
A
teoria da subcultura delinquente, por exemplo, evidenciará a importância do
modo de vida ligado a um espaço desorganizado que se manteve sob a forma de
segregação urbana; a teoria da diminuição do controle social se relaciona com
as mudanças da norma e da crise moral no contexto da rápida modernização; a
teoria da rotulagem que considera importante a construção de uma identidade positiva;
e a teoria do “vidro quebrado” que trabalha o desenvolvimento da delinquência e
a relação com a maior ou menor participação cidadã, o que nos parece mais
adequada para os dias de hoje, já que parece impossível separar as políticas
voltadas para a delinquência dos grandes processos econômicos-sociais e
simbólicos da modernidade.
Dessa
maneira, conforme Claude Dubar (2007), difícil apontar uma teoria do desvio
para compreender a prática infracional na adolescência, pois o melhor
entendimento é reconhecer que todo o processo tem duas faces: uma coletiva e
outra pessoal. Assim, será o resultado da relação entre as duas para a
constituição de uma chave para a compreensão e de uma ação eficaz.
Por
existirem múltiplas teorias sociológicas concorrentes e bastante polêmicas
entre si é que muitos sociólogos dividem em tipologias com intensas dicotomias,
enveredando para uma ou outra. E há aqueles que preferem perseguir um projeto
de síntese teórica das dualidades conceituais da sociologia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARSA,
Enciclopédia. Encyclopaedia Britannica. V. 2. São Paulo: Encyclopaedia Britannica
Consultoria Editorial, 1993;
BECKER,
Howard. Uma Teoria da Ação Coletiva. Ed.
Zahar. São Paulo, 1974;
DUBAR,
Claude. Os “ensinamentos” dos enfoques sociológicos
da delinquência juvenil. Juventude em Conflito com a Lei. Organizadores:
João Trajano Sento-Sé e Vanilda Paiva, Rio de Janeiro: Garamond, 2007;
ERIKSON,
E. Identidade, juventude e crise. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976;
KOHLBERG,
L. (1981). The philosophy of moral development: moral stages and
idea of justice. Cambridge:
Harper & Row.
LEMERT,
Edwi M. (1954). “Estructura Social,
Control Social y Desviacion”. In: Clinard, Marshall B., Anomia y Conducta
Desviada. Paidos. Buenos Aires, p. 64-101;
LIMA,
Rita de Cássia Pereira. Sociologia do desvio e interacionismo. Tempo Social; Revista de Sociologia,
USP, São Paulo, 2001;
PEDRETE,
Leonardo do A. Criminalidade e Poder
Judiciário no Brasil: referências teóricas e empíricas da construção social do crime
na justiça brasileira. 2007, fls. 118. Dissertação (Mestrado em Sociologia),
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro;
SÃO
PAULO (Estado). Procuradoria Geral do Estado. Grupo de Trabalho de Direitos
Humanos. Direitos Humanos: construção da liberdade e da igualdade. São Paulo:
Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1998, p. 460.
SIMÕES,
M. (2002). Adolescência: Transição, crise
ou mudança? Phychologica, 30, 407-429.
[1] SARLET, Ingo
Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e
direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre,
Livraria do Advogado, 2008, p. 88-89
[2] Código Civil
Brasileiro, art. 1º e 2º
[3] É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.
[4] Justica Juvenil: teoria e prática
no sistema socioeducativo. Organizadoras:
Ilana Lemos de Paiva, Candida Souza, Daniela Bezerra Rodrigues. Natal, RN:
EDUFRN, 2014, p. 38
[5] CARTA CAPITAL. Medo: mau conselheiro. Renan Truffi. Ed.
de 13 de agosto de 2014, p. 28
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